Ele aparecia toda manhã naquele boteco ao lado da Igreja de Nossa Senhora da Lampadosa. Pedia um café forte. Cumprimentava as pessoas com uma expressão indecifrável, mas nunca olhava nos olhos. O Ligeiro não cobrava o café. Sentia pena dele. Dizia que o nêgo era um mendigo incomum.
O nêgo não tinha nome conhecido. Era João, era Zé, era Pulga, era Zulu. Era o nêgo. Os mais velhos diziam que ele morava no Centro há mais de vinte anos. Não era muito afeito a mudanças. Gostava de se recostar no Camões, e deitava sempre na escadaria dos fundos do Instituto de Filosofia.
Um dia, deram uma vitrola portátil pro nêgo. Daquelas antigas, que funcionavam com oito pilhas grandes. O paraíba da Carioca lhe trazia pilhas novas toda semana. E o nêgo ficava ali, olhando a vitrola girar. Girando, Girando. Guardava a vitrola com ele. Forjou uma mochila de trapos, e carregava a vitrola. Ele era nêgo, o canguru do Centro.
A origem de nêgo era um mistério. Diziam que ele morava no morro da Mangueira. Que foi casado com Ana (antes Sebastiana, antes Tiana). Que teria encontrado a mulher na cama com um amigo. Que, incapaz de transformar em ato sua vontade, resolveu virar ermitão urbano.
O nêgo nunca foi visto sorrindo. A não ser num único dia. E por uma única pessoa. Quando ganhou um vinil velho, com sambas de Cartola e Nelson. Agora a vitrola não girava apenas, a vitrola cantava. Seu Aristides jurou que viu o nêgo rindo, ou chorando, ele não lembrava bem. A vitrola passou horas ligada, girando. Como num milagre bíblico, o samba continuava e as pilhas não acabavam. Seu Aristides jurou que viu o nêgo balbuciando aquelas suas palavras, numa língua estranha, como um rei zulu.
Na hora em que o largo começava a virar formigueiro, miríade de gentes, meninas da Tiradentes indo e voltando, Ligeiro deu falta do nêgo. O boteco amanheceu sem o café forte. Foi o Lico, polícia, quem avisou. Ligeiro encontrou o Camões meio rubro. Achou que de raiva, ou de vergonha. A mochila de trapos rasgada, a vitrola roubada. Uns rabiscos, desenhos. E uma foto. Uma negra linda, uma rainha. E um trecho de um samba de Nelson. Em Mangueira, quando morre um poeta, todos choram.
Acenderam uma vela pro nêgo na Lampadosa e queimaram a foto.
Oii!
Teu blog é muito bom, escreves mto bem!
Voltarei sempre aqui.
Brigada pelo comentário lá no meu…
😉
nossa…
me arrepiei com o desfecho…
parabéns…escreves de um modo envolvente…
Ótima narrativa, envolvente!
Lembra bastante as crônicas do Nelson Rodrigues, muito bom!
Eu gostei.
Tem ar de texto dramático, para ser lido por um contador de estórias.
🙂
Eu adorei a narrativa… ótimo cronista contemporâneo. Obrigada pela visita, 🙂
Obrigado por seu comentário no meu blog, volte sempre!!! Tento escrever todo dia… afinal, caminha é preciso!
FAAAAAAALA, CAMINHANTE!
Te linkei também lá no Quimera Ufana, viu?
ABRAÇÃO!
Fala Caminhante…
Adorei teu blog…
Voltarei mais vezes com calma, hj não vai dar pra ler com tudo..
Abraços
Gostei muito desta estória. E muito do teu blogue também.
simplismente demais……………….amei.
Adorei a história do nêgo. Coitado, deu até pena. Muito bom! Parabéns! Obrigada pela visita.